Sabe o que significa whiteout? Então leia até o fim... (é provavel que eu tenha misturado duas historias, mas é irrelevante, só vai dar uma noção maior da situação e do local) Aah é uma história real, no final explico melhor...
Foi em 2003. Estavamos em três escalando uma montanha na Argentina. A última vila antes do primeiro acampamento base estava a 60km de distância. Contratamos uma Land Rover para nos levar até o início da montanha e ela só voltaria dali nove dias. Durante todo o caminho fomos ouvindo histórias das tribos indígenas que habitavam o local em tempos remotos. Certo momento o motorista parou e nos levou para conhecer o lugar onde elas viviam, lá vimos diversas pinturas nas pedras onde um dia foi o lar dos povos nativos. Toda a temática, o plano de fundo dessa aventura estava na cultura indígena. Até hoje não sei explicar se o que aconteceu foi fruto da minha imaginação, ou influência do que o motorista nos contou. Fizemos a subida da montanha e na primeira noite nem a barraca montamos. Nos abrigamos em uma pequena gruta, fizemos uma fogueira e deitamos dentro do saco de dormir. Temperatura de -10ºC. Foi então que, em mais de vinte anos de escalada, pela primeira vez tive uma visão...
Estava deitado dentro do saco de dormir, naquele momento em que o sono começa a chegar, mas ainda não estou dormindo. Vejo as sombras formada pela fogueira e ouço o crepitar da lenha próximo de mim. Quando fecho os olhos vejo um índio na minha frente que conmeça a falar comigo. Ele falava a língua dele, eu falava português, mas nós dois nos entediamos. Ele estava me dizendo para não continuar a subida da montanha, mas eu discuti com ele. Disse que havia vindo de Caxias, feito um longa viagem e que não ia parar agora só porque ele estava mandando. Porém, ele continuou a discussão dizendo que nós iríamos estragar a montanha, deixar lixo no caminho e que ele não podia permitir que isso fosse acontecer. Eu tentava convencê-lo, mas nada do que eu dizia adiantava. O estranho é que quando eu me mexia no saco de dormir e abria os olhos não via nada, apenas a fogueira. Sabe aquele momento em que estamos prestes a dormir e ficamos nos mexendo até encontrar a melhor posição? Então, era mais ou menos assim. O mais estranho é que não via eles como um holograma, uma forma branca como espírito, eles estavam ali na minha frente, como se fossem meus amigos em pé falando comigo.
Quando me mexia não via nada, no momento em que parava e fechava os olhos o índio aparecia. A discussão continuou por aproximadamente quinze minutos, até que apareceu um outro índio. O primeiro tinha aparência de um nativo idoso. Um senhor de idade, com características indígenas, como se fosse um homem do campo. O segundo já lembrava mais aqueles índios de filme americano, adornos na cabeça, uma roupa meio de couro, bem do tipo que estamos acostumados a ver na TV. Esse segundo índio não dizia nada, era como se ele estivesse ali para me intimidar, a desistir da subida. E continuava a visão, eu abria um pouco os olhos e eles sumiam, voltava a fechar e eles voltavam a aparecer. Enquanto isso tudo ao meu redor continuava igual, meus amigos deitados em seus sacos de dormir, a fogueira acessa e o frio. Passado uns vinte minutos de discussão o indio não falou mais nada e fez um gesto com as mãos meio que dizendo, "pode ir, eu libero". Porém, eu fiz questão de pedir pra ele o que deviamos fazer, para que ele nos deixasse seguir sem nenhum problema, não queria transgredir nenhuma lei da montanha ou algo parecido.
Ele me disse que deveríamos respeitar a montanha e não deixar nenhuma sujeira ou algo que não fosse parte dela. Quando os dois desaparecerem eu acordei meus amigos. Contei pra eles tudo que havia acontecido e eles acreditaram. No outro dia quando acordamos não deixamos sequer um papel de bala ou um fio do saco de dormir no local. Seguimos a subida da montanha e durante a noite nos abrigamos em outra gruta e acantonamos ali mesmo. Aproximadamente 2.600 metros de altura a -15ºC. Quando saímos pela manhã deixamos lá uma garrafa de vinho que havíamos tomado durante a noite. Ela estava pela metade e precisávamos nos desfazer de alguns itens para continuar a subida, na volta iríamos pegar o material. Chegamos ao topo da montanha, porém ao descer nos deparamos com o fenômeno conhecido como whiteout, a parede branca, parede de neve. Tudo fica branco e não se enxerga nada em dez, quinze metros de distância. Descer se tornou uma tarefa perigosa, a unica coisa que nós três pensavamos era "a garrafa de vinho, deixamos na montanha".
O pior de tudo era que não tínhamos como saber onde estava a gruta em que havíamos dormido na noite anterior. Abrimos um espaço de 30 metros entre cada um na corda e fizemos uma varredura montanha abaixo para encontrar a gruta. Quando encontramos, a garrafa estava lá. Guardamos na mochila, esperamos um pouco e o tempo melhorou. Então começamos a descida e tudo terminou bem.
Fim!
Ouvi essa historia do meu instrutor de escalada. Enquanto descansava da subida que havia feito e ele começou a contar das viagens que já fez escalando na Argentina. Até que chegou nessa da vez em que ele falou com os índios. Tem gente que não acredita nesse tipo de fato, eu, assim como as outras quatro pessoas que ouviram ele contando acreditaram. (Foi o que senti ao menos, pelo o que pude perceber) Eu sempre gostei dessas histórias 'sobrenaturais', e pelo o que conheço do instrutor e da maneira que ele contou não acho que seja uma historia para nos impressionar. Se foi realmente uma visão, um aviso, e a whiteout que eles enfrentaram foi uma represália dos índios pela garrafa de vinho não sei. Quem sabe tenha sido o próprio cérebro que fez isso acontecer, frio, barulho da fogueira, histórias de índio... Já dizia Shakespeare, na peça de Hamlet, "Há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia". O mundo existe, mas ele é muito maior do que vemos e sentimos. As vezes é bom, se for o caso, imaginar um pouco para usufruir o máximo dele. Se foi 'real', ou fruto da imaginação eu nunca vou ter como comprovar... eu acredito, mas também penso que isso tem muito a ver com aquilo que ouvimos, vivemos e acreditamos. Me coloco na mesma situação e é como estar cochilando na hora da ronda no acampamento, ouvindo o barulho apenas da fogueira e alguns galhos quebrando ao vento. E então pensar que esses galhos quebrando são na verdade duendes ou outros seres - imaginários para alguns, reais para outro - que estão curiosos querendo saber o que fazem aquelas pessoas acampando ali. O porque delas estarem em um local que 'eles' são os protetores. Há muita coisa entre o céu e a terra, abrir os olhos e imaginar, fantasiar, não faz mal a ninguém. Muito pelo contrário, são essas experiências que uma rotina de trabalho não vai lhe proporcionar.
E falando em Whiteout, fica um dica de filme. Ontem mesmo ia passar na HBO mas era muito tarde e acabei indo dormir. Agora que vi o trailer vou cuidar para a próxima vez que passar... (3538)
Ah vídeos agora no Tumblr. www.eusougabriel.tumblr.com